‘Favelart’: com ações de arte e cultura, estudante da periferia de Fortaleza ajuda a melhorar o próprio bairro

Uma caixa de som, um microfone e um grupo de jovens disposto a usar esses instrumentos para propagar cultura e arte ali no meio de uma pracinha na periferia de Fortaleza. Vale cantar, recitar poesia, dançar, improvisar, ler, usar o microfone para protestar, falar daquele lugar, do que sobra e do que falta. É permitido se manifestar. Há oito anos, nasceu no Grande Bom Jardim, em Fortaleza, o Favelart, um coletivo formado por jovens que busca promover cultura e arte em um território da cidade historicamente estigmatizado.

Dentre esses jovens, está a estudante Ariadna da Silva Costa, hoje com 27 anos. Ela, moradora da comunidade Parque São Vicente, no bairro Canindezinho, um dos cinco que integra o Grande Bom Jardim (que engloba também a Granja Portugal, a Granja Lisboa, o  Siqueira e o Bom Jardim), há mais de 10 anos já idealizava fazer algo que pudesse auxiliar os jovens dessa área massacrada historicamente por preconceitos e dilemas sociais. 

Todos esses territórios estão classificados com Índice de Desenvolvimento Humano (IDHmuito baixo em Fortaleza.

volta”. São experiências de alunos egressos de escolas públicas estaduais do Ceará que, ao saírem desse espaço, e ingressarem em novos campos de estudo, como o ensino superior, retornaram às suas regiões de origem, territórios, bairros, desenvolvendo alguma iniciativa de impacto social positivo e compartilhando benefícios.

Passado esse tempo, Ariadna segue morando no mesmo território e essa atuação tem crescido. O Coletivo hoje realiza cineclubes para crianças, oficinas de arte-educação, rodas de conversa, saraus e feiras de empreendedorismo na mesma pracinha, a do Canindezinho, que há alguns anos viu esse jovens chegarem, movidos por inquietações sobre a realidade que os cercava.

 

 

Atualmente, cerca de seis integrantes, conta ela, participam do Coletivo Favelart atuam com “diversas áreas, que vão desde arte e cultura até direitos humanos e ambientais”. O grupo se reúne toda semana para programar as ações a serem realizadas.

Quando nasceu em 2016, o Favelart partiu de aspirações das juventudes dos bairros Canindezinho e Siqueira. A ideia, na época, relembra ela, era promover e facilitar o acesso à arte, cultura e educação para as crianças e adolescentes das regiões.

Mas, nesse processo, dois públicos foram olhados mais especificamente: a juventude frequentadora da Praça do Canindezinho e as crianças do Residencial Juraci Magalhães, no mesmo bairro. O conjunto habitacional, conta Ariadna que morou no local, foi entregue pelo Governo do Estado em 2011. Para lá, a gestão estadual levou dezenas de famílias removidas das margens do Rio Maranguapinho, que atravessa o Grande Bom Jardim.

 

No território, Ariadna estudou, na época, na Escola de Ensino Fundamental Ozires Pontes, (que hoje é também de Ensino Médio) e na etapa seguinte passou a estudar em outro bairro, na Parangaba, na Escola Eudoro Correia, que é da rede estadual.

“Depois disso, eu tentei ingressar em uma universidade particular com uma bolsa da própria faculdade. Porém, pelo fato de não estar no mercado de trabalho ainda, não ter um emprego formal e nenhuma renda formal, como também minha família não tinha, eu acabei perdendo a bolsa por conta de questões financeiras”.

Embora nessa época o acesso à universidade não tenha ocorrido, Ariadna não desistiu da ideia. E isso, além de uma aspiração pessoal, tinha um sentido coletivo. Enquanto a entrada no ensino superior não vinha, ela seguiu envolvida em projetos sociais no Grande Bom Jardim. 

Antes disso, ainda criança, desde os 7 anos era beneficiada por um projeto social, com aulas de balé. Desde essa época, ressalta, foi ressignificando a relevância de ajudar “pequenos desconhecidos”. Do balé, chegou ao Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS), entidade do Grande Bom Jardim, que há 30 anos atua com lutas comunitárias e garantia de direitos humanos. Desde 2016, Ariadna é voluntária na instituição.

Na busca pelo ingresso na universidade, uma sensação era compartilhada. “Eu vi que precisava, de alguma forma, ter uma voz ativa dentro da comunidade. Aí eu e meus amigos buscamos estudar para o Enem. A gente dava força um pro outro porque a gente precisava estar dentro da academia, precisava absorver mais conhecimento para que a gente pudesse mudar a realidade do nosso território”.

Desse anseio vieram as buscas por informações sobre editais e políticas públicas de juventude. “Conhecimento de base para que a gente pudesse levar para os jovens da nossa comunidade e sabermos nos comunicar com eles. Mas sempre tentando falar da maneira que eles conseguem nos escutar”, acrescenta.

Atuação na comunidade

Quando o coletivo teve início, relembra Ariadna, os jovens se reuniam no fim da tarde na pracinha do Canindezinho “para trocar ideia”. Desses diálogos, brotavam várias inquietações: “por que que tem tanta coisa lá pelo Bom Jardim, pelo centro cultural, e aqui, na nossa extremidade, não tem? é que a gente pode fazer?”, recorda ela.

Segundo a estudante, nessa época, as ações eram muito concentradas na região do Centro Cultural Bom Jardim, equipamento cultural gerido pelo Governo do Estado. E o território habitado por ela e seus amigos fica a cerca de 5km da instituição.

“As ações eram muito voltadas para a área do CCBJ e tem muitos conflitos territoriais também que impedem que a gente venha de lá para cá e o pessoal vá daqui pra lá. Ficamos matutando essa ideia, como a gente poderia levar para o nosso território”, completa.

Foi aí que veio a ideia da caixa de som, microfone e ações na própria praça. A iniciativa é replicada até hoje, de forma mais aprimorada.

Frequentar esse equipamento público tão básico passou de desafiador para simbólico. É nele que até hoje os saraus do Favelart são realizados, com o intuito de “levar a arte e a cultura e alterar a violência da pracinha”. Não sem enfrentamentos. “Sempre que a gente falava de ir para praça ouvia: não vai porque é perigoso”.

Da primeira ação feita há 8 anos, com recursos apenas para divulgações em folha ofício e pincel, o trabalho persiste, apesar dos poucos recursos.

Coletivo realiza intervenções

O caminho escolhido foi o da arte, cultura, escuta, palco aberto e acolhimento, defende Ariadna. Na praça, as ações são voltadas para os jovens, os adultos, e para as crianças, muitas vezes, filhos desses jovens que foram pais e mães ainda na adolescência.

Desde 2024, o Coletivo atua com um edital do CCBJ voltado para grupos. Com isso, conseguiram recursos para dar continuidade ao projeto tanto de realização de saraus como de uma feira do empreendedorismo. Nessa última iniciativa, os empreendedores e artistas do bairro são convidados ao sarau para apresentarem seus trabalhos. Geralmente participam pessoas que vendem comidas e artesanato, conta.

Foi também da mobilização de diversos moradores do Grande Bom Jardim, incluindo os jovens do coletivo, que o Centro Cultural do Canindezinho, inaugurado em 2020, foi estruturado. O equipamento é da gestão municipal e teve grande demanda popular pela construção.

“Foi uma luta da juventude. Ele nasceu a partir da mobilização comunitária, um pouco depois do Favelart, para que a gente pudesse ter um centro cultural muito por conta da disputa de território”.

Há dois anos, Ariadna voltou ao ensino superior. Dessa vez, na faculdade de serviço social. O curso é em uma instituição particular e ela tem bolsa do programa do Programa Universidade para Todos (Prouni) do Ministério da Educação.

 

Voltar o olhar para o território, relata ela, é retornar para uma época em que ela era mais jovem e necessitava de apoio, pois problemas como bullying, falta de respeito e violência seguem sendo dramas experimentados pela juventude.

“É importante ouvir esses jovens para que a gente possa acolher, para que a gente não deixe eles morrerem. A gente não consegue sanar a violência que é maior que a gente. Mas, quando estamos trabalhando com os jovens vemos a necessidade que eles têm por serem de periferia. Às vezes, tem pais usuários de drogas, outros que os pais trabalham demais e o jovem está imerso na violência, e várias outras faltas. Tentamos mediar para que eles tenham pelo menos um pouquinho de qualidade de vida, para que olhem e pensem: eu também consigo”, reforça.

 

Créditos

Thatiany NascimentoRepórter
Davi RochaProdutor Audiovisual
Dahiana AraújoEditora de DN Ceará
Karine ZaranzaCoordenadora de Jornalismo
G. André MeloGerente Audiovisual
Ívila BessaGerente de Jornalismo
Gustavo BortoliDiretor de Jornalismo