Projeto quer preencher o Centro do Rio com arte e cultura

Por: Carmélio Dias e Luiz Ernesto Magalhães

Via: O Globo

 

Deserto. Trecho da Rua Primeiro de Março com todas as lojas fechadas: área está incluída em projeto da prefeitura – Foto: Guito Moreto

O movimento de pedestres em vaivém contrasta com a árida paisagem formada por portas de aço fechadas que exibem cartazes com anúncios de aluguel ou venda do imóvel. O cenário é comum no centro do Rio. Em alguns trechos, um pedestre mais distraído pode até achar que é feriado ou fim de semana, tantas são as lojas fechadas. Para tentar estimular a reabertura desses pontos comerciais — e acelerar a revitalização do bairro —, a prefeitura do Rio lançou, ontem, um programa que promete subsidiar os aluguéis comerciais no quadrilátero delimitado pela Praça Pio X (Candelária), a Avenida Rio Branco, a Rua da Assembleia e a Rua Primeiro de Março.

Pelo programa, todas as ruas dentro desse perímetro serão contempladas com uma ajuda, paga pelo município, no valor de R$ 75 por metro quadrado alugado até o limite de 192 metros quadrados por imóvel para abertura de negócios voltados ao setor artístico-cultural. No caso do benefício máximo, o valor transferido pelos cofres públicos chegará a R$ 14,4 mil para cada proprietário que se inscrever no edital de chamamento público, divulgado ontem.

Os eventuais inquilinos dos espaços arcarão com a diferença no valor de locação. A iniciativa é fruto de uma articulação entre a Secretaria municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação e a Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPAR).

— Escolhemos trechos do Centro que sempre tiveram vocação comercial e estão ociosos. Queremos oferecer estímulos para reativar atividades, inclusive com ateliês e ações ligadas à área artística e cultural — disse o secretário Chicão Bulhões.

A ideia é que a ajuda, a fundo perdido, seja oferecida por até quatro anos. Um mapeamento inicial do município estimou que pelo menos 90 estabelecimentos na área delimitada para o programa estariam aptos a participar, o que projeta uma despesa mensal de R$ 1,296 milhão para a prefeitura. Há exigência de que os prédios sejam exclusivamente comerciais, todas as lojas beneficiadas sejam no térreo e tenham frente ou acesso voltados para a via pública.

Complemento ao Reviver

O edital estabelece o foco em atividades culturais. Segundo o prefeito Eduardo Paes, isso se deu pelo fato de esse tipo de empreendimento geralmente funcionar também nos fins de semana e não apenas nos dias úteis, o que pode atrair mais gente ao Centro fora do horário comercial. O programa complementaria, assim, o projeto Reviver Centro, que tenta atrair, com inventivos fiscais, investidores interessados em construir imóveis residenciais ou converter os comerciais em moradias, aproveitando a infraestrutura ociosa da área.

O programa será implementado em duas etapas. Na primeira fase, o município abriu o cadastramento, pelo prazo de 45 dias a contar de ontem, para proprietários de imóveis — pessoas físicas ou jurídicas, individualmente ou em grupo — interessados em participar do projeto. Serão admitidos apenas aqueles que não tenham pendências com o pagamento de impostos, inclusive IPTU. O edital está disponível para consulta em

https://www.rio.rj.gov.br/web/cdurp_portomaravilha.

Num segundo momento, previsto para ser iniciado já na próxima semana, será aberta a inscrição para candidatos a ocupar esses imóveis. As regras ainda serão divulgadas. Existe a possibilidade de que sejam liberados recursos também para a reforma das lojas a serem alugadas, mas a proposta ainda está em estudo.

O subsídio oferecido pelo município pode representar até metade do valor de mercado para locação de imóveis comerciais na região com as características previstas no edital.

— Em média, o custo de locação nessa área depois da pandemia está em R$ 150 por metro quadrado. Mas pode cair para R$ 100 ou chegar a R$ 200. A ideia é boa, mas o município tem que adotar mecanismos que evitem uma inflação artificial dos custos de locação. E também exigir do locatário garantias como faixas de horários em que se comprometa a manter a atividade aberta para garantir o sucesso do investimento — avalia o empresário Cláudio Castro, proprietário da Sérgio Castro Imóveis.

O arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães elogia a proposta, mas faz algumas ressalvas:

— Em tese, a ideia de ter um protagonismo da prefeitura para estimular atividade econômica e privilegiar artes e cultura é muito boa. Mas é necessário atuar não apenas em relação ao comércio, que está fechado por causa da pandemia. Há pontos do Centro que são ótimos, importantes e tradicionais da cidade, em que as atividades cessaram por pura e vergonhosa especulação imobiliária dos donos. Este é o caso da Rua da Carioca, onde comerciantes foram despejados e nada foi aberto nos pontos.

Enquanto o projeto não deslancha, o cenário é desanimador para quem já viu, em tempos não muito distantes, o comércio fervilhante daquela região da cidade.

— Eu já tive 14 funcionários, hoje somos eu e meu filho tocando o negócio. Praticamente todos os vizinhos fecharam. Eu resisto porque estou aposentado e tenho alguma esperança de que as coisas ainda vão melhorar, mas não está nada fácil — disse Jorge Vasconcelos, de 58 anos, proprietário de uma papelaria no trecho da Rua Buenos Aires entre a Avenida Rio Branco e a Rua da Quitanda. — Ainda tem muita empresa trabalhando em regime híbrido, e isso deu uma esvaziada grande no Centro, é visível. Espero que depois do carnaval isso mude.

À espera do Movimento

Em alguns pontos, como na Travessa do Ouvidor, das 13 lojas com frente para a rua, oito estão fechadas, entre elas o tradicional restaurante popular Esquimó, que funcionou por 60 anos no número 36 da via. A cena se repete na Primeiro de Março, onde, das 17 lojas entre o Beco dos Barbeiros e a Rua do Ouvidor, nada menos que dez estão fechadas.

— Fizemos uma aposta e viemos para cá depois da pandemia. Acreditamos que o movimento voltaria, mas a verdade é que às vezes passa meia hora sem que ninguém entre na loja — lamenta Janaine Garcez, de 43 anos, proprietária de um mercado de produtos de limpeza.